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terça-feira, 17 de julho de 2012

E a ausência causa dor


Saudade já não é a palavra certa pra explicar...


O calendário já marca os dezessete do mês de julho. Chegou a frente fria, mais que esperada. Um dia típico de clima paulistano, de muito frio e nevoeiro invadiu a cidade de Urânia. Há doze anos minha família se mudava para Urânia, eu era uma criança de nove anos e meio, com sotaque da capital, cujo sonho era ganhar um “cachorrinho de verdade”, pedido de anos consecutivos para o Papai Noel, que segundo meu pai, não dava presentes vivos.

E eis que aos dois o mês de agosto do ano 2000, minha mãe chega com uma filhote que fora vendida como mestiça poodle. Uma bolinha de pêlos preta, a qual batizamos de Kika. Ela foi, sem dúvidas, meu melhor presente de infância.

Kika foi a sujeitinha mais temperamental que já conheci, de um gênio particularmente contestável, de um humor que oscilava mil vezes durante o dia. A única cachorra que respondia ao seu nome com um rosnado, mas de um coração “de papelão”. Talvez ela tivesse mesmo um pouco de mim!

Minha xepa (apelido carinhoso que dei a ela) passou a vida toda cuidando do quintal. Ela sempre foi proibida de entrar em casa, mas ela nem ligava. Kika não tinha medo de nada, enfrentava os trovões ou fogos mais assustadores. Em seus tempos áureos não ficava um só ser vivo naquele quintal, exceto ela mesma.

Minha cachorrinha não gostava de brinquedos, a não ser para enterrar ou arrancar-lhes a cabeça e o recheio. As garrafas pet lhe agradavam, mas apenas até tirar a tampinha. Ela sabia brincar de esconde-esconde e pega-pega. Quando jovem corria feito louca pelo quintal e cavava até quase chegar ao Japão. Sem contar que destruiu todas as plantas, flores e tentativas de horta. A preferida foi a erva-cidreira, que fez de chiclete até matar.

Se é que existe um céu dos cachorros, como diz minha mãe, com certeza ela deve estar lá. A não ser que São Francisco a condene pelos passarinhos que ela devorou e por um gato que ela matou (coisa que fiquei sabendo a pouco tempo), ou pelo gambá sorrateiro que invadia o quintal de madrugada, caça que ela trocou por um pedaço de mortadela, negociado. Creio que seu instinto caçador pouco importa, comparando ao bem que ela nos fez.

Ela sofria de audição seletiva, só ouvia o que lhe era conveniente! Palavras como “papa”, “bolacha”, “carninha”, “vamo” ou “passear de coleira” eram as únicas para as quais ela dava importância. Kika também tinha educação e princípios, sabia o significado das palavras “espera”, na hora de atravessar a rua e “dá licença”.

A mãe mais desnaturada que o mundo animal já conheceu Kika não dava nem o mama para seus filhotes, mas se alguém chegasse perto virava uma leoa. Pena que os seus não viveram por muito tempo. Nosso Boby nos deixou após um ano e meio. Ela adotou minha “pudim-zinha” Princesa, que sempre teve a regalia de dormir dentro de casa, mas mesmo assim a adotou como sua filhote, mas isso não impedia que elas competissem por atenção e carinho e morressem de ciúmes uma da outra.

Aproveitei cada segundo da vida de Kika, até seus momentos finais, estive sempre ao lado dela, que não era de raça, muito menos derivada de poodle. Sua raça era uma verdadeira incógnita. Há quem diga que era uma variação do pequinês.

É impossível lembrar das peripécias dela sem chorar. Ela me acompanhou durante esses doze anos. Três meses de sua ausência.